sábado, 8 de agosto de 2009

Diario de uma portadora de Alzheimer

O diário de Thereza

No período de 1993 a 2000, Thereza escreveu um diário. Nele, ela expressou seus sentimentos ante o sofrimento e a luta para controlar a demência que se instalava irreversível. O texto é uma importante fonte de informações sobre o gradual processo de degeneração a que é submetido o paciente de Alzheimer. De maneira bastante resumida, seguem trechos do que foi narrado.

13 de setembro de 1993
Nasci a 7/6/29. Logo após o meu nascimento, veio a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o Brasil. Claro que dessa revolução não me lembro. Mas está aqui, nítida em minha memória, a Revolução de 1932. Sei que tinha três anos e que assisti a esse flagelo. Como me recordo!

31de janeiro de 1995
Incrível como o tempo tem voado. Nem me dei conta de que não escrevo sobre a minha vida há mais de um ano.

18 de março de 1995
Acabei de receber pelo telefone a notícia da morte de um sobrinho... Nunca escrevi tão mal e com tanta insegurança. Estou em pedaços. Só Deus sabe o que vai dentro de mim.

7 de fevereiro de 1996
Quase um ano que nada escrevo. Para quê? Só conto mágoas e dores nos meus diários. Gostaria de escrever coisas alegres e bonitas. Por que não o faço? Não sei, não sei... Mudei-me de apartamento para morar com minha filha mais velha... Aqui é bom? Não, pois tenho medo de elevador e de altura. Estou no sexto andar. Minha filha caçula trouxe dois gatos que me fazem companhia. Isso me ajuda um pouco.

Não tenho dormido e tenho dispnéia à noite. Emagreci bastante e mal posso olhar para a alimentação. Só estou tomando chás. Não morri ainda, estou com 66 anos... e parece que serei eterna. Mas os sofrimentos não matam, pois continuo viva. Não sei se voltarei ao Acre, mas desejo ardentemente fazê-lo. Mas claro que isso está nas mãos do Pai Celeste.

25 de março de 1996
... Não consigo me alimentar bem. Como pouco e sempre acho que não preciso mais comer coisa alguma. Minha cabeça está um caos. Não posso raciocinar como antes. Estou lutando, mas parece que me afundo em areia movediça, pois todos os dias os acontecimento se agravam. Eu gostava de ler muito e agora não gosto mais, eu gostava de assistir televisão, mas estou ficando até com raiva do aparelho em questão. Fico sentada olhando para o nada, aí então vem o pranto, convulso e alto. Só choro quando estou sozinha, porque tenho medo de assustar as pessoas. Até quando, meu Deus?

25 de junho de 1996 (Em Caldas – MG)
Nesse período, de doença, noto que perdi oito quilos e estou horrivelmente magra, sem forças. Estou sentada na varanda da casa em que moro, ainda sonolenta, pensando... pensando. Está um dia lindo, pois não há uma nuvem no céu. O frio tem sido ameno e durante o dia faz um belo sol. Sento-me para orar, pensar, escrever e perguntar ao nosso Bom Deus o porquê das coisas que não entendo.

24 de março de 1997
Faz cinco meses, menos dois dias, que não escrevo neste caderno. As dores e sofrimentos vários se proliferam cada dia em minha vida. Só lembrar o que passei nesses meses já é bastante ruim para mim.

4 de setembro de 1997
Faz nove dias que cheguei do Acre, onde fiquei estarrecida com o progresso da capital. Muita gente, muitos carros. Cheguei dia 27 de agosto e aqui em casa (Caldas-MG), estou em paz com tudo e todos. Acabei de chegar da minha caminhada diária. Como de costume, entrei no cemitério, orei e descansei do caminho íngreme. Voltei devagar, divagando... gosto muito daqui, dos amigos, do sol, de tudo. Estou escrevendo aqui, pois tenho que deixar em dia os assuntos da minha vida

7 de setembro de 1997
Hoje é domingo. Estou sozinha em casa, minha filha está no quarto dia de plantão. Tenho sentido uma fraqueza muito grande. Passo muitas horas deitada. Caminho pela manhã e só. Não gosto desta letargia diária. O cerco está se apertando à minha volta. Acho que começaram a pesar os 68 anos que vivi. Tenho lembrado muito dos meus pais, que já estão mortos, e dos irmãos, que também já se foram. Não estão sendo fáceis os momentos de recordação. São muitos anos já vividos.

25 de fevereiro de 1998
Acabei de constatar sem nenhum esforço que nasci para ser eterna. Estou muito cansada. Ninguém tem paciência comigo. Todos falam comigo aos gritos sempre que pergunto alguma coisa. Às vezes tenho vontade de parar de falar e emudecer até morrer. Será que morrerei algum dia? Tenho dúvidas a esse respeito.

26 de março de 1998
Hoje fui ao médico. Ele me achou deprimida. Quanto remédio! Estou com medo de tomá-los, porque são complicados. Estou proibida de fazer algumas coisas, assim como fazer crochê. Interessante, posso fazer qualquer comida. Parece um complô...

15 de abril de 1998
Não saí de casa hoje. Fiz um excelente almoço, com as poucas coisas que tinha. Minha nora telefonou, agora à noite, isto é, no entardecer. Deu más notícias sobre minha neta. Pronto, já me entristeci! Nunca ficarei boa da depressão. Tenho trocado os dias da semana, os meses, anos... Estou péssima. Estou quase nos 69 anos e procuro esquecer isso, mas lembro-me a toda hora...

23 de abril de 1998
Estou com frio e ninguém está. Também estou com o corpo dolorido por ter carregado muitas compras ontem. Está esfriando muito e acho que irei para o Acre passar um mês ou dois lá. Domingo vou me esforçar bastante para ir à igreja, pois terei que ir de ônibus. Espero melhorar de saúde até lá.

Junho de 1999 (Em Rio Branco)
Não sei se hoje é sexta-feira, se é 17 ou 18 de junho... e quase não sei mais nada. Não sei mais o meu número de banco, nem o código, não sei mais nada. Ninguém tem paciência comigo. Os netos ficam rindo pelas costas (de mim) quero dizer, mas o desgosto não me deixa raciocinar direito. Desde que me levantei que estou meio zonza. Ah! A empregada veio me dizer que dia é hoje. Não estou numa fase boa da minha vida. Que pena! Tenho muito para oferecer, mas... não tenho para quem dar... nem amor, nem conselhos, nem proteção de qualquer espécie.

18 de outubro de 1999
Hoje me lembrei muito de minha mãe. Ela já se foi há muitos anos e sinto falta dela, mesmo estando com 70 anos de idade (...) estou com saúde, estou forte, mas não saio sozinha, pois a minha filha não me deixa sair sozinha. Claro que ela está certa, pois vivi muito tempo e não conheço certo perigos que encontramos pelas ruas ultimamente. Tenho medo de falecer em falta com alguém, por isso deixo tudo relacionado aqui.

2 de agosto de 2000 (última anotação no diário, em Brasília)
Minha cabeça continua oca. Não me lembro de nada. Nossa vida aqui em Brasília é boa, mas minha filha não gosta daqui, eu gosto. Em dezembro voltaremos para casa no Acre.