terça-feira, 9 de junho de 2009

O papel do geriatra

Até meados do século XX predominava a visão paternalista da medicina e a regra era ocultar o diagnóstico de doenças graves. Estudo publicado por Oken em 1961 revelou que 90% dos médicos não tinham o hábito de informar o diagnóstico de câncer a seus pacientes. No entanto, uma mudança importante tem ocorrido nas últimas décadas, no sentido de respeitar e incentivar a autonomia do paciente.

Estudo brasileiro recente (Trindade ES e cols, 2007) mostrou que 97,4% dos especialistas da área de oncologia revelam o diagnóstico de câncer ao próprio paciente “sempre” ou “freqüentemente”. Essa atitude parece estar de acordo com o desejo dos pacientes de um grande centro oncológico de São Paulo, onde 95% responderam que gostariam de saber se têm câncer e 89% gostariam de conhecer o prognóstico (Pinto NR e cols, 2004). Mas se por um lado a mudança de atitudes é notável nos cuidados oferecidos ao paciente com câncer, esse progresso parece não ocorrer com a mesma velocidade no atendimento do paciente com demência.

As diretrizes da American Medical Association recomendam que o diagnóstico de demência seja revelado diretamente ao paciente sempre que possível (Guttman and Seleski, 1999). De forma semelhante, a principal associação americana de pacientes e cuidadores, a Alzheimer’s Association, recomenda enfaticamente que, exceto em circunstâncias incomuns, o médico deve revelar o diagnóstico ao paciente, permitindo sua participação ativa no tratamento e no planejamento das decisões relativas ao fim da vida.

Em estudo prospectivo recente, Carpenter BS e cols (JAGS 2008) concluem que a tomada de conhecimento dos diagnósticos de comprometimento cognitivo leve e demência não causa reações catastróficas e não está associada ao aparecimento de sintomas depressivos. O que se observa, na verdade, é uma redução significativa dos sintomas de ansiedade após o conhecimento do diagnóstico.

Apesar das evidências e recomendações, a prática diária nos permite observar que grande parte dos pacientes não recebe o diagnóstico de demência ou o recebe através de eufemismos como “esquecimento” ou “problema de memória”. Infelizmente isso ainda acontece mesmo entre os indivíduos com déficit mais leve, que teriam capacidade plena de compreender o diagnóstico e antecipar decisões.

O ESTUDO

No trabalho do Grupo de Neurologia Cognitiva da FMUSP um questionário foi enviado a 970 médicos – neurologistas, psiquiatras e geriatras. Dos 206 médicos que responderam a pesquisa, 25 foram excluídos por não atenderem regularmente pacientes com doença de Alzheimer, restando um total de 181 participantes.

Apenas 44,75% dos especialistas informam o diagnóstico de Alzheimer ao paciente “geralmente” ou “sempre”, sendo que 14,4% o fazem com uso de eufemismos. De forma interessante, 76,8% dos médicos gostariam de conhecer o diagnóstico caso eles próprios desenvolvessem a doença.

Na análise por especialidades, verifica-se que os geriatras dessa amostra revelam o diagnóstico com menor freqüência – apenas 27,5% têm esse hábito, contrastando com 39,4% dos neurologistas e 58,7% dos psiquiatras. Mas quando as três especialidades são comparadas simultaneamente através de análise de variância pelo ANOVA, não se encontra diferença estatisticamente significante entre os três grupos (p=0,17).

Quando os geriatras são questionados sobre os principais motivos que justificariam o ocultamento do diagnóstico, o fator mais apontado é a visão dos familiares sobre o assunto (80%), ficando claro que valorizam a opinião dos familiares mais do que a do próprio paciente.

VALIDADE INTERNA

Comentário de Alini Maria Orathes Ponte Silva (E2)

O artigo é bastante interessante, pois avalia a prática do profissional sobre revelar ou não o diagnóstico diretamente ao paciente portador demência. O resultado impressiona – apenas 45% dos especialistas informam o indivíduo sobre sua doença. Entretanto, esse valor ainda é superior ao encontrado na literatura. Johnson, em 2000, mostrou um índice de 40% entre os profissionais britânicos. Alguns motivos que podem explicar esse fato: os médicos entrevistados são especialistas vinculados a sociedades e exercem a profissão em grandes centros urbanos, o que por si só já implica um viés de seleção. Essa condição não reflete de maneira alguma a realidade do atendimento médico a população brasileira.

Além disso, o modelo do questionário aplicado, com respostas já formuladas no formato de múltipla escolha, tende a induzir o participante a uma determinada reposta e pode não refletir o que ele realmente pensa.

Interessante observar que os geriatras consideram a gravidade da demência e, principalmente, a opinião do cuidador para não revelar o diagnóstico. Não houve diferença no padrão de respostas entre os neurologistas, psiquiatras e geriatras, dando a impressão de que a abordagem do paciente com demência seria a mesma nestas diferentes especialidades.

VALIDADE EXTERNA

Comentário de Dra. Lilian Schafirovits Morillo

Fica claro que ainda somos paternalistas em relação aos dementados como éramos, no passado, em relação aos doentes com câncer. Creio que mesmo nós, geriatras, ainda sofremos do preconceito da idade e olhamos para o nosso paciente como alguém incapaz de suportar más notícias e de tomar as decisões com autonomia e independência. Influenciados freqüentemente pelo temor dos familiares, muitas vezes não temos subsídios para tomar nossa própria decisão de revelar ou não o diagnóstico. Estudos mostram que este temor de reações catastróficas, depressão e piora da esperança e motivação não se justifica no caso dos portadores de câncer.

Encontrei na literatura alguns estudos que abordaram os próprios pacientes quanto à sua preferência em ter revelado ou não seu diagnóstico se este for câncer ou demência, quando de sua entrada em serviço de emergência para tratamentos vários. Estudos publicados pela CHEST e pelo American Journal of Medicine, com pacientes idosos. Nestes e em 3 outros, o que se encontrou foi que 70 a 85% deles prefeririam saber o diagnóstico.

Todos os autores encorajam que tais estudos sejam reproduzidos em diferentes países pelas óbvias diferenças culturais e sugerem que esta informação seja anexada ao prontuário e sirva de base para o médico, quando for necessário.

Quem se habilita? Pode dar uma interessantíssima monografia!

Um comentário:

  1. Boa noite

    Quero uma consulta com a Dra. Lilian Schafirovits . Mas, estou com dificuldade para encontrar o endereço do consultório dela. Alguém pode me auxiliar?

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